Políticas públicas e habitação de interesse social em Curitiba

Políticas públicas e habitação de interesse social em Curitiba

31 de outubro de 2022

Escrito por Ademi Admin

Administrador do site Ademi

Erick Takada, diretor de Região Metropolitana da Adeimi-PR
Por Erick Takada, Diretor de Região Metropolitana da Ademi-PR e Diretor de Novos Negócios na Invespark

A habitação de interesse social é um tema em destaque no Brasil, embora haja dificuldades de medir sua produtividade aqui em nosso país tropical, ao contrário do que acontece nos Estados Unidos.

O termo em inglês Housing Affordability Index (HAI) nada mais é do que o indicador que uma família média, americana, no caso, tem de adquirir uma casa através de uma hipoteca de 30 anos, sem comprometer mais de 25% de sua renda mensal.

Este é um índice típico do país norte-americano, medido pela National Association of Reators®. Talentidade é uma mistura de órgão fiscalizador com sindicato, algo como uma fusão dos nossos CRECI e SINDIMOVEIS. Assim, ele indica quanto uma região tem condições de receber as habitações populares, aqui chamadas de habitação de interesse social.

Por outro lado, aqui no Brasil, tem-se falado em affordability, termo que tem sido usado por falta de um substantivo mais adequado para descrever a acessibilidade ou a viabilidade de compra de um imóvel econômico. Entretanto, ainda carecemos de um indicador que possa mensurar esse potencial como lá nos Estados Unidos.

Na falta deste índice, vamos nos virando com os dados que temos para medir se o nosso mercado tem atendido à demanda da população de renda mais baixa. Usualmente, comparamos quanto os programas habitacionais do governo, especialmente o Casa Verde Amarela, têm participação no mercado.

O panorama da habitação de interesse social no Brasil

Nesse quesito, a capital paranaense, inegavelmente uma das boas referências de urbanismo de nosso país, tem sido um dos patinhos feios. Aliás, é justo dizer que há cidades que simplesmente não têm produtos desse segmento, como Boa Vista no Acre, por exemplo. Porém, confesso que esperava mais de Curitiba, por todo seu histórico de inclusão.

A Brain, que vem se dedicando a trazer os números do mercado imobiliário ao público, indica que foi lançada uma média de 985 unidades do programa Casa Verde e Amarela por ano na cidade, entre 2010 e 2021. Isso quer dizer que isso representou uma participação de 16% do mercado ofertado nos últimos doze anos.

Esse número é pífio quando comparado ao tamanho da participação da população que tem acesso aos imóveis do programa, ou seja, famílias com renda entre R$ 2.544,01 e R$ 8.255,00. Estas famílias representam 43,7% da população curitibana.

Dados da habitação de interesse social em Curitiba
Participação da habitação de interesse social nas unidades lançadas em Curitiba – Fonte: Brain.

Além disso, notem que outras praças têm mostrado um desempenho bem melhor do segmento da habitação de interesse social, mais condizente com a distribuição social do Brasil. Cabe destacar São Paulo e Porto Alegre, cujo share do imóvel popular era tão baixo quanto o de Curitiba, mas que mostraram políticas eficientes para seu aumento.

Dados da habitação de interesse social no Brasil
Participação da habitação de interesse social em unidades lançadas de 2019 a 2022 – Fonte: Brain.

Legislação e habitação de interesse social

Dessa forma, como essas cidades conseguiram mudar essa realidade? Basicamente, criando espaços dentro da malha urbana onde os índices urbanísticos são diferentes e condizentes com a renda de seus habitantes.

Um exemplo claro é a área de lazer mínima exigida. Enquanto em Curitiba, para um empreendimento hipotético de 100 unidades, exige-se 900m² de espaços para o lazer, o mesmo, em São Paulo, exigiria 200m². Ou seja: 88% a menos!

Além disso, exige-se em Curitiba pelo menos uma vaga de garagem por unidade. E mais: há área mínima obrigatória para os ambientes privativos, o que em outras cidades já não se aplica. Aliás, aqui, até cabe a discussão que rende muitas outras teses.

Se no momento da aprovação o poder público deve certificar a obrigação do empreendedor de atender às diversas normas técnicas que regem as características de uma edificação ou se o seu efetivo papel é fiscalizador no momento da execução das obras, como acontece em outros países e já é realidade em alguns locais do Brasil.

Contudo, o resultado é que tais exigências, atreladas a tantas outras imputadas pelo imenso arcabouço legal, diminuem consideravelmente o adensamento. Consequentemente, aumentam a participação do custo do terreno no preço final dos imóveis.

Não discuto que há justificativa técnica embasada para cada lei que rege a aprovação de um projeto. Contudo, será que não pode haver diferenciação para os diversos padrões construtivos? A exemplo, na própria cidade, a fim de incentivar a moradia na região central, a quantidade de vagas mínimas já foi abolida.

A importância das políticas públicas

Criar as Zonas Especiais para habitação de interesse social, onde os parâmetros urbanísticos podem ser diferenciados e facilitar a implantação da habitação economicamente acessível, foi ponto chave para a inflexão da curva em diversas cidades.

Acredito que ainda vivemos arraigados numa ideia da cidade utópica. Ou seja: onde não existe pobreza e a estética impera. E que grandes condomínios adensados e populosos são totalmente indesejados e considerados indignos de concepção.

Como resultado, a população menos favorecida acaba afastando-se dos grandes centros onde é gerada a riqueza. Dessa forma, vai habitar a região metropolitana, sobrecarregando a malha de transporte e o sistema de serviço público de onde moram. E, ainda pior, é quando há o assentamento desses cidadãos em moradias irregulares, totalmente renegadas e em condições precárias, fora da chamada “cidade legal”.

Logo, este é o grande paradoxo: é melhor viver em um condomínio com muitos habitantes, com água tratada, esgoto e mesmo básicas janelas ou sobreviver em condições desumanas?